quarta-feira, 4 de novembro de 2009

A centopeia e o beija-flor (não é uma fábula)


Nem sei como começar esse texto, na verdade não é um texto com história e tal, é uma descrição de sensações, sendo assim, regras gramaticais, ortografia e essas coisas não são levadas em conta, afinal, sensações não seguem regras ou padrões. Acho que estou embriagado, mas não de qualquer substância etílica, e sim, de uma mistura metabólica que corre pelas minhas veias, pelos meus nervos, chega ao cérebro e termina nos neurônios, sim os neurônios, com suas malditas sinapses, diria mais que são uma rede de intrigas, os meus devem estar contra mim.
Não vejo nada, estou na penumbra, então não vou descrever o que vejo, não é um texto descritivo, mas sinto minha embriaguez neuronial como uma centopéia trocando os pés, não são duas pernas, são cem ... mas, será que a centopéia tem mesmo cem pernas? Se ela tiver noventa e nove já não vai fazer mais sentido, porque o mundo quer tudo completo, sem contar que noventa e nove é um número ímpar, divisível apenas por três e por nove.
OK, suponhamos que minhas sensações sejam a centopeia trôpega, ela está na beira do copo, não tem noção de que se cair no fundo o prazer vai ser repentino, no máximo um ou dois minutos, depois ela será um verme afogado, tudo bem que afogado num copo de gim, mas o copo é americano, nem pomposo vai ser o seu leito de morte. O invertebrado me olha, sua superfície anelada brilha, parece que quer chamar a atenção ... é uma casca feia, mas ela me parece dizer que por dentro ela tem sentimentos, alguma coisa passa por dentro desses anéis brilhantes, penso eu. Não esperem nexo entre as partes do texto, como disse no início, coesão e coerência passarão longe dessas letras.
A centopeia me deu uma ideia (a rima não foi intencional, porque também não é um poema): vamos tentar os clichês. Clichês são bons, nos deixam em posição confortável, você não precisa arriscar, correr riscos não é muito da natureza humana (me parece que é mais da natureza das centopeias), o conformismo e o comodismo sim. Sendo assim, essa é a história de um cara, um cara como qualquer outro que tem por ai, mesmo que digam o contrário todas as pessoas são iguais e querem escrever uma história que tenha um cara que se apaixona por uma garota, não é mesmo? Aposto que você que está lendo essa merda (se é que um dia alguém vai ler isso) já começa a gostar da história, seus neurônios já começaram a trabalhar contra você, pois lendo a história de um cara que se apaixona por uma garota seu cérebro “clichê” se sente confortável... mas é sincero, esse cara se apaixonou por essa garota, existiam milhares de garotas, ele já havia conhecido uma centena delas, mas essa foi especial. Esse cara me contou que três segundos foram suficientes, três segundos de um olhar fixo e entrecruzado foram o bastante, daí pra cá ele pensou, foda-se, meus neurônios que aguentem. Eu disse neurônios porque esse cara é positivista, não acredita que o amor esteja no coração, o coração é apenas um órgão feio que bomba o sangue para o seu corpo inteiro, artérias, veias, ventrículos e átrios, e sangue, muito sangue, um dia ele vai parar ... o que de bonito tem nisso!? Então, uma salva de palmas aos neurônios que suportam a dor física de uma navalha entrando na carne, bem como a sensação de amar e não poder externar esse amor, ter que reprimir esse sentimento que até as mais dogmáticas religiões consideram ser o suprassumo, as mesmas religiões que colocam sua alma numa arapuca, dizendo: amem, mas dentro dos padrões sociais estabelecidos desde a Idade Média. Esse cara me contou que se sentia como um pássaro contra a vidraça ... já viram um beija-flor quando fica preso dentro de casa? ... Ele vê a luz do Sol, enxerga a saída, mas na verdade existe um vidro o separando da liberdade, na verdade ele não está enxergando esse obstáculo, e sua ânsia de sair desse ciclo vicioso de autodestruição acaba por arrebentá-lo contra a janela, são dois os destinos os quais sua alma frágil poderá chegar: o cansaço ou a morte.
Centopeia, beija-flor, dá até pra se fazer uma fábula, só que as fábulas tem um cunho moral e quem sou eu pra dar lição de moral em alguém!? Nem escritor eu sou. Prefiro continuar no cara, ele é gente boa, vê-se nos olhos dele que não está bem. Consigo ver a centopeia la dentro, são duas, uma em cada íris, mas não são mais como a centopeia da beirada do copo, essas estão ardendo em fogo, são asquerosas, consomem o seu olhar, ele se torna vazio, parece fitar em direção do copo de gim querendo que fosse cicuta, aí sim seria uma morte digna, Sócrates morreu tomando um cálice de cicuta, bem verdade era um cálice e não um copo americano, mas nessa altura do campeonato esse é um detalhe que pode passar despercebido.
Mas, e a garota!? Ahhh a garota, ele me disse que ela é linda, uma pele morena combinando com aqueles lindos olhos negros ... nem tudo foi trágico pra eles, viveram momentos felizes, as centopeias rastejavam longe, estavam sob os pés dos dois, porque eles estavam no alto, voavam e centopeias não voam ... beija-flor sim e de tanto esse cara voar, sua alma se transformou em um, mas como vocês já sabem o beija-flor está preso numa caixa de vidro e agora só sabe se debater contra a vidraça. Dessa forma a garota se cansou, não tem como culpá-la, é entendível ... acho que os vermes venceram, tomaram conta desse meu amigo, eu vejo nos olhos dele quando olho no espelho...estão lá, consumindo o seu olhar e sussurando a todo momento em seu ouvido: “o copo de cicuta está em cima da mesa, você não vai tomá-lo?”

Um comentário:

  1. Oi Orazal, (ou seria Lázaro? :)

    Vim retribuir sua visita, fiquei feliz que você gostou dos meus escritos. E você, que diz que está só começando, está começando muito bem! :)

    Beijo,
    Fabiana

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